sexta-feira, 8 de abril de 2011

Doce ilusão

O estalos de uma garoa arranjada costuram, com linhas escuras, o céu lá fora. E arrasta pra cá, antecipadamente, o silêncio negro de um noite inquieta.
Algumas gotas finas parecem bailar aleatoriamente pelo ar e somem sem tocar o chão. Enquanto outras, com ar de desespero se jogam sem pensar e, como suicidas, se quebram no solo.
Os minutos não saem do lugar, mas a garoa que antes continha um ar de graça e ingenuidade, agora, conquista força e maioridade.
E ao ritmo de uma tempestade jovem, o receio pulsa forte.
Com o medo roçando a ponta dos dedos, ela quase abraça o desespero. E, em tempo, com as mãos frias tapa os ouvidos e cega os olhos com as pálpebras.
Até os ponteiros já sentem frio. E, por medo, o tic-tac do relógio anuncia um adeus desajustado. Agora, tudo parece imóvel aqui.
Quando, de surpresa, um som vindo da sala suaviza o frio de medo que apalpa os longos fios castanhos do cabelo jovem e, de leve, cria algumas notas de graça no velho piano Steinway.
O ritmo avança com veracidade as teclas empoeiradas e, com uma combinação de toques afiados, o volume alto soa chamando a atenção, ensurdecendo as vozes de chuva que, insistentes, ainda se penduram pela vidraça.
A curiosidade entra em cena e, jogando todo seu charme, provoca. Os traços delicados de garota já não resiste ao curioso e, então, ela abre os olhos. Mas, as extremidades cegas da noite limitam o olhar jovem.
Ainda assim, ela acorda a coragem e afasta-se direcionando os passos pelo corredor, apalpando com insegurança as paredes escuras.
O som do piano parece correr, em passos certeiros, de encontro a ela e, com força, abraça o medo restante, entorpecendo os sentidos. É como se as notas, com leveza e suavidade, dançassem graciosas pelo corredor, conduzindo-a até o centro da sala.
E agora sim, ela parecia poder enxergar tudo, ainda que o ambiente estivesse banhado pelo breu.
E lá estava. No canto direito da sala, lá estava ele. Concentrando uma beleza absurda na superfície das teclas.
Com uma confiança precisa na ponta dos dedos ele seguia o toque, redesenhando cada nota e transformando-as na canção predileta da jovem com traços delicados.
Ele voltara, como em dias de tempestades, para espantar daqui o medo.
Doce ilusão. Pobre garota. Nada mais era real, como foi um dia.
Ele voltara sim, mas por poucas horas. Somente em tempos de tempestades e solidão.
Mas, no fundo, ela já sabia quase sem querer, que a chuva acalmaria e a doce ilusão se 
tornaria, outra vez, apenas uma lembrança amarga.


Grafite . 

Nenhum comentário:

Postar um comentário